REFlexus (REF): Pode falar-nos um pouco do seu percurso profissional? Como descreve o seu percurso desde que terminou os estudos na FFULisboa até chegar a Diretora do Centro de Investigação da mesma instituição?
Cecília Rodrigues (CR): Depois de terminar a licenciatura em Ciências Farmacêuticas na FFULisboa, em 1992, rumei até à Universidade de Cincinnati, em Ohio, nos Estados Unidos da América, onde realizei a minha formação pós-graduada, com vista à obtenção do grau de Doutor, sob orientação científica do Professor Kenneth D. R. Setchell. Depois de terminar o Doutoramento em Farmácia, na especialidade de Bioquímica, pela Universidade de Lisboa, regressei aos EUA, em 1996, para o pós-doutoramento na área de Biologia Molecular e Celular, na Universidade de Minnesota, sob orientação do Professor Clifford J. Steer. Fui bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Depois de um período curto no Instituto Superior de Ciências da Saúde – Sul, no Monte de Caparica, regressei à FFULisboa, em 1999, fiz a agregação, em 2005, e sou Professora Catedrática, desde 2009. Em 2013-14, promovemos a fusão das duas unidades de investigação da FFULisboa, dando origem ao atual Instituto de Investigação do Medicamento (iMed.ULisboa), que coordeno desde então. É um percurso de trabalho e desafio permanentes.
REF: O que a motivou a seguir o campo da investigação? Qual o primeiro contacto de que tem memória com esta área?
CR: O fascínio pelo desconhecido e a vontade de saber sempre mais. Iniciei a minha atividade científica em 1989, após ter sido convidada pelo Professor Carlos da Silveira a integrar o Centro de Metabolismos e Genética. Na altura, fui inserida nos projetos de investigação relacionados com o estudo da bilirrubina e do seu mecanismo de toxicidade no recém-nascido, sob orientação da Professora Dora Brites.
REF: Quais as maiores diferenças que consegue apontar entre a investigação quando entrou nesta área e a investigação nos dias de hoje? Quais os principais avanços passíveis de serem notados?
CR: A evolução foi enorme. Hoje faço investigação num país moderno, com cientistas muito competentes e infraestruturas que permitem realizar uma investigação competitiva e reconhecida a nível internacional, apesar dos tempos recentes mais conturbados.
REF: Pode contar-nos em que projetos se encontra a trabalhar de momento?
CR: Na área da investigação, salientaria um projeto com coordenação do iMed.ULisboa, que teve início este ano, e que vai receber financiamento de cerca de 2,5 milhões de euros para a construção de uma plataforma de descoberta e desenvolvimento de tecnologias, produtos e soluções personalizadas em oncologia. O consórcio POINT4PAC junta quatro unidades de investigação da ULisboa e outra que inclui o Instituto Politécnico de Leiria, tendo como objetivo explorar e concretizar estratégias promissoras que permitam encontrar novos candidatos a medicamentos e direcioná-los de forma precisa para o local de doença. O trabalho do consórcio vai ser desenvolvido por equipas multidisciplinares que integram também empresas nacionais biotecnológicas e farmacêuticas, hospitais e associações médicas e de doentes. O financiamento provém do Portugal 2020, um programa que reúne fundos europeus estruturais e de investimento, além de fundos nacionais.
REF: Quais os principais desafios em conciliar as duas áreas em que se encontra a trabalhar atualmente: a investigação e o ensino?
CR: A investigação e o ensino complementam-se e enriquecem-se mutuamente, pelo que é, naturalmente, sempre com entusiasmo renovado, que iniciamos cada ano.
REF: Quais são as principais áreas de investigação representadas atualmente no iMed? E quais os principais estudos a ocorrer?
CR: O iMed.ULisboa responde a desafios colocados pela descoberta e desenvolvimento de medicamentos. Embora visando o máximo impacto, pretendemos incentivar a investigação em todo o espetro do desenvolvimento de medicamentos, desde o laboratório até aos estudos pré-clínicos. Também temos trabalho relativo à utilização do medicamento.
Valorizamos um ambiente que incentiva a colaboração interdisciplinar no iMed.ULisboa, onde investigadores e alunos de doutoramento se dedicam quer a questões fundamentais, quer a aplicações específicas, na área da inovação terapêutica. Muito importante, trabalhamos de perto com colaboradores nacionais e internacionais, da academia e da indústria, para cumprir a nossa missão. Julgamos que esta estratégia mantém um portfólio de investigação equilibrado e, ao mesmo tempo, estrutura-o por forma a refletir a evolução das necessidades em saúde, nomeadamente nas áreas do envelhecimento e doenças associadas, tais como o cancro e as doenças do metabolismo ou neurodegenerativas.
REF: Como descreve a relação entre os diversos colaboradores do centro de investigação, por estes poderem provir de diferentes áreas?
CR: É uma relação muito enriquecedora para todos, em que partilhamos recursos, competências e conhecimento na mesma instituição de acolhimento, a FFULisboa.
REF: Consegue apontar quais os principais desafios e dificuldades como diretora de um centro de investigação na atualidade?
CR: Assegurar a cooperação intrainstitucional, bem como a coerência interna, para maximizar o impacto nacional e internacional da investigação que realizamos.
REF: Como vê o futuro da investigação científica em Portugal? Quais os maiores desafios que os investigadores científicos enfrentam no nosso país? E fora dele?
CR: O sistema de investigação, desenvolvimento e inovação português atingiu um estado de maturidade. Estamos numa fase de fazer escolhas e definir prioridades. É fundamental aumentar a taxa de sucesso de Portugal em programas de financiamento da investigação, nomeadamente, a nível europeu, para que o nosso nível de competitividade aumente ainda mais.
Texto produzido por: Beatriz da Branca, FFULisboa