Perspetivas de futuro dos estudantes de farmácia e dos jovens farmacêuticos num mundo em transformação

DR.ª ADRIANA MACHADO, PRESIDENTE DA APEF

A propósito do Dia Nacional do Farmacêutico, que se assinalou ontem, 26 de setembro, o Farmacêutico News conversou com a presidente da Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF), Dr.ª Adriana Machado, acerca das perspetivas de futuro dos estudantes de farmácia e dos jovens farmacêuticos. Os desafios atuais do setor foram ainda um tema abordado nesta entrevista, já que vivemos uma realidade em mudança, marcada pela transformação digital, as novas políticas de utilização de dados pessoais, uma nova lei de bases em saúde e o empoderamento dos utentes perante a sua própria saúde. “Aqui, certamente os desafios serão outros, mas bastante interessantes, e os farmacêuticos não podem estar desatentos”.

Farmacêutico News (FN) | Celebrou-se ontem, 26 de setembro, o Dia Nacional do Farmacêutico. Enquanto presidente da Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF), quais as perspetivas de futuro dos estudantes de farmácia e dos jovens farmacêuticos?

Dr.ª Adriana Machado (AM) | O futuro é promissor, é certo! Mas também, vários são os desafios que tanto estudantes, bem como profissionais, enfrentam.

A farmácia e as ciências farmacêuticas como um todo, são das áreas científicas mais promissoras, multidisciplinares e multifacetadas deste e do próximo século. Pela liberalidade da profissão, o profissional de farmácia consegue-se adaptar a este paradigma de mudança. Isto é uma vantagem competitiva no mercado de trabalho, pois durante o percurso académico os estudantes acabam por se defrontar com vários desafios, das mais diversas temáticas que todo o circuito do medicamento envolve, desde a sua projeção, investigação e desenvolvimento, industrialização, processos regulamentares de aprovação da sua utilização e comercialização, da sua divulgação pelos demais profissionais de saúde, pela introdução e distribuição do mesmo, pela dispensa e administração junto das populações. Durante todo este processo, o farmacêutico está lá.

No entanto, estamos cientes da realidade que vivemos: a transformação digital é um processo galopante; novas políticas de utilização de dados pessoas; uma nova lei de bases em saúde; o empoderamento dos utentes perante a sua própria saúde, entre outros. Isto faz com que nos tenhamos que adaptar, mas confiamos que estamos preparados para esta mudança e acreditamos que seremos uma mais valia neste futuro que será, sem dúvida, próximo.

FN | Os farmacêuticos enfrentam, hoje em dia, muitos desafios?

AM | Nós somos profissionais de saúde e a saúde é um desafio! A saúde é do doente, é do utente, é do cuidador, é da família. Isto é um desafio. Tratar os enfermos, cuidar dos mais desfavorecidos, como crianças e idosos, mas também estar ao lado da população saudável e ajudar na promoção de hábitos de vida salutares e capacitar uma população para uma vida com qualidade aquando a velhice. E o desafio prende-se com mentalidades estruturais da nossa sociedade.

Prendemo-nos muito a uma saúde alopática e alterar este tipo de pensamento é um desafio; é também um desafio promover a literacia em saúde. Em Portugal, depois do 25 de abril existiam à data um milhão de portugueses analfabetos; à data de hoje, ainda existem 500 mil. Estes números preocupam-nos, pois quanto menos conhecimento e mais pobres as pessoas são, mais doença têm, o que já está documentado num relatório de Primavera do Observatório Português de Sistemas de Saúde.

Para além disso, como referi, o empoderamento das pessoas em relação à sua saúde é também um dos nossos desafios. Temos uma percentagem de população crescente mais preocupada, mais informada sobre a sua saúde e aqui temos uma posição a afirmar. Impera-se que certos modus operandi entre profissionais de saúde sejam alterados e podemos dar lugar a uma saúde em rede, onde o farmacêutico e a farmácia serão points of care de relevada importância para os sistemas.

Acresce ainda o facto de que, este ano, a saúde em Portugal encontra-se a ser discutida fervorosamente e, depois do desfecho, dará aso para que se fale do novo estatuto do SNS. Aqui, certamente os desafios serão outros, mas bastante interessantes, e os farmacêuticos não podem estar desatentos.

FN | Quão importante é o papel desempenhado pelo farmacêutico?

AM | Os farmacêuticos são profissionais de saúde de segurança, qualidade e proximidade. Infelizmente, devido à falta de literacia em saúde e ao desinvestimento da educação neste sentido, as pessoas desinformadas tendem a fazer escolhas erradas. O farmacêutico está lá para assegurar uma maior eficácia e prevenir certos dissabores. O medicamento é um medicamento. É algo sério que introduzimos no nosso organismo e que, por muitas vezes não verem, não há a perceção do impacto nos sistemas internos.

E o farmacêutico está lá. Presta informação científica atualizada, capacita a população, promove a saúde, ajuda na doença e, para além de tudo isto, é também aquele profissional que despende do seu tempo, ouve as preocupações dos utentes e estabelece uma relação com os utentes pela comunicação não ser uma barreia, o que lhe permite entender os seus receios quanto à sua saúde, à saúde do familiar, à saúde do vizinho.

Somos um ponto de referenciação, encontrando-se inclusive alguns projetos piloto nesse sentido para avaliar o papel do farmacêutico na referenciação de certas patologias.

Para além disso, a dimensão social da nossa profissão é avassaladora, estando estes profissionais envolvidos em vários projetos e ajudando sempre o utente a obter o medicamento certo e no tempo certo.

FN | Na sua opinião a nova geração de farmacêuticos poderá trazer mudanças no atual paradigma da profissão? Se sim, quais?

AM | Os recém mestres em ciências farmacêuticas que saem das faculdades são uma massa jovem e cerebral com um know-how bastante diferente daquele que existia há uma década atrás. A ciência evolui; temos presente que o conhecimento não é estanque, mas estes jovens são proativos na persecução da informação, dominam ferramentas de acesso a informação de qualidade, desenvolvem-se enquanto estudantes de saúde num ambiente académico salutar com outros estudantes da área de saúde, promovendo a disseminação do conceito de one health e interdisciplinaridade. E estes jovens saem motivados para implementar e serem a diferença num sistema que peca pela tradição. Acreditamos que isto é possível e já vemos esforços, não só entre estudantes, mas também entre profissionais. O eHealth Summit 2018 foi exemplo disso, tendo as diferentes ordens profissionais de saúde estado em diálogo simultâneo sobre a saúde das pessoas, porque a saúde é das pessoas e não dos profissionais de saúde.

FN | De forma a caraterizar a empregabilidade e o acesso ao mercado de trabalho no setor farmacêutico, a Ordem dos Farmacêuticos está a realizar um estudo junto dos seus associados. Considera que os resultados da investigação serão animadores?

AM | Acreditamos que sim. As saídas profissionais do nosso setor são vastas. Contudo, podem nem sempre corresponder logo aos sonhos e idealizações iniciais. É certo e sabido que dentro da imensidão das ciências farmacêuticas, o ramo da farmácia comunitária continua a ser aquele que mais profissionais absorve. No entanto, verifica-se uma certa tendência entre os jovens por outras áreas anexas à farmácia, como a consultoria e gestão de farmácias, e/ou à indústria, como o marketing farmacêutico, os medical affairs entre muitas outras possibilidades.

Não querendo estar já a antecipar um prognóstico, mas acredito que os resultados serão animadores, mesmo depois da grande crise de 2012.

FN | Há mais algum assunto que queira destacar?

AM | Em continuidade com o assunta suprarreferido, a Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia encontra-se também a realizar um inquérito junto dos seus estudantes finalistas com vista a auxiliar a monitorização da empregabilidade do observatório. Este ponto advém do plano político assumido para o presente mandato e pretende inferir quanto às motivações do estudante e concluir quanto à capacidade do mercado na gestão destas motivações e se efetivamente já conseguimos dar o salto da crise de 2012.

Fonte: http://www.farmaceuticonews.pt/entrevista/item/134-perspetivas-de-futuro-dos-estudantes-de-farm%C3%A1cia-e-dos-jovens-farmac%C3%AAuticos-num-mundo-em-transforma%C3%A7%C3%A3o.html